Relatório aprovado por unanimidade (foram 24 votos
favoráveis) será votado em plenário. Caso aprovada por 47 parlamentares, a
denúncia seguirá para o TJRJ e Witzel será oficialmente afastado
A Comissão Especial da Assembleia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro (Alerj) que analisou o pedido de impeachment do governador
Wilson Witzel aprovou nesta quinta-feira (17/09), por unanimidade (foram 24
votos favoráveis), relatório pela admissibilidade da denúncia e a consequente
autorização para prosseguimento do processo pela prática de crime de
responsabilidade. A denúncia é baseada em supostos desvios financeiros
cometidos por Witzel na área da Saúde, sobretudo junto a Organizações Sociais
de Saúde (OSs) e na construção de hospitais de campanha para combate à pandemia
do coronavírus. O parecer da comissão será publicado no Diário Oficial do
Legislativo desta sexta-feira (18/09) e o projeto de resolução sobre o tema
deverá ser votado em plenário até a próxima semana.
Caso dois terços dos parlamentares (o equivalente a 47
deputados) votem favoráveis ao impeachment, a denúncia será encaminhada ao
Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ) e Witzel será afastado por 180 dias
após a formação de um tribunal misto de julgamento - composto por cinco
deputados e cinco desembargadores - que realizará o trâmite final do processo.
A reunião desta quinta ocorreu de forma semipresencial e em
conformidade com os protocolos de segurança por conta da pandemia de covid-19.
O encontro foi comandado de forma virtual pelo presidente do grupo, deputado
Chico Machado (PSD), que não pode estar presencialmente no Plenário Barbosa
Lima Sobrinho por estar se recuperando do coronavírus. “Durante todo o período
respeitamos plenamente o direito de defesa de Witzel, bem como seguimos o
trâmite legal do processo e a Constituição. Agradeço a todos os 25 partidos
desta Casa e ao presidente André Ceciliano por sua conduta“, afirmou o
deputado, que foi favorável ao documento elaborado pelo relator Rodrigo
Bacellar (SDD). A comissão foi formada por 25 deputados de cada um dos partidos
que compõem a Alerj.
Além de Chico Machado e Rodrigo Bacellar, todos os outros 22
integrantes da comissão presentes à sessão foram favoráveis ao relatório. São
eles: Luiz Paulo (PSDB), Enfermeira Rejane (PcdoB), Dionísio Lins (PP), Renan
Ferreirinha (PSB), Carlos Macedo (REP), Márcio Canella (MDB), Val Ceasa
(Patriotas), Waldeck Carneiro (PT), Martha Rocha (PDT), Subtenente Bernardo
(PROS), Brazão (PL), Marcus Vinícius (PTB), Léo Vieira (PSC), Alexandre Freitas
(Novo), Eliomar Coelho (PSol), Marcos Abrahão (Avante), Marina Rocha (PMB),
Valdecy da Saúde (PTC), Bebeto (Pode), Dr. Deodalto (DEM), Welberth Rezende
(Cidadania) e Gustavo Schmidt (PSL). O deputado João Peixoto (DC) não
participou da reunião – sendo o único que não votou - porque está licenciado
devido a um problema de saúde.
Relatório
O relatório de 77 páginas, elaborado por Rodrigo Bacellar e
lido na íntegra por ele durante a reunião, teve como base a denúncia de crime
de responsabilidade por corrupção na área de Saúde protocolada, no dia 27 de
maio, pelos deputados Luiz Paulo e Lucinha, ambos do PSDB. Para esclarecimento
das denúncias, a comissão juntou documentos públicos da Secretaria de Estado de
Saúde (SES) e do Ministério Público Federal (MPF), além de solicitar dados à
Comissão Especial da Alerj que acompanha a situação fiscal do estado durante a
pandemia de coronavírus, e analisar a defesa de Wilson Witzel entregue à
comissão no dia 02 de setembro.
Em seu parecer, Bacellar ressalta que todo o tempo se
preocupou em não fazer juízo sobre a condenação ou absolvição do governador. De
acordo com o parlamentar, os documentos mostram irregularidades e prejuízos ao
erário público durante a prestação de serviços das organizações sociais Unir
Saúde e Instituto Iabas. “Como se depreende dos fatos narrados, não é preciso
muito esforço argumentativo para se concluir que a fraude em contratos
administrativos e o prejuízo de milhões aos cofres públicos nada tem de
honroso, probo ou digno e muito menos se norteia pela busca do interesse
público, configurada em tese, portanto, a prática de crime de
responsabilidade”, afirma, em seu relatório. Ainda segundo o documento, “os
fatos demonstram a supremacia do interesse privado sobre o público, o descaso
com a vida e o oportunismo com a desgraça”, ressalta.
Deputados
Um dos autores da denúncia e integrante do grupo, o deputado
Luiz Paulo declarou que a corrupção não pode mais ser tolerada no Rio. "É
chegada a hora de dar um basta na plutocracia corrupta do Estado do Rio. Esta
união ilícita entre o público e o privado tem que acabar", afirmou.
Deputados de diferentes correntes ideológicas também
defenderam o impeachment, inclusive o parlamentar Leo Vieira, que é do mesmo
partido de Witzel. "Apesar de fazer parte do mesmo partido do governador,
tenho total independência do meu mandato e voto favorável ao relatório",
pontuou.
O deputado Renan Ferreirinha foi enfático: "Por mais
que sua defesa insista, Witzel não é inocente". Ele afirmou que os
péssimos serviços de saúde pública levaram muitas pessoas à morte. "Faltam
recursos aonde abunda a corrupção. Já passamos de 17 mil vítimas fatais pela
covid-19 em nosso estado. Quantas dessas pessoas ainda poderiam estar aqui?",
concluiu.
Já Alexandre Freitas ressaltou que todo o exposto no
relatório ainda será julgado no mérito pelo tribunal misto e que este processo
é político-administrativo, o que o difere do processo penal que Witzel responde
e não é inviabilizado pelo mesmo. "Chama atenção a muito provável
participação do governador nos desvios financeiros. Estamos votando a
admissibilidade da denúncia, que posteriormente deverá ser julgada no mérito.
Todo processo feito por esta Casa foi correto. Nossa missão é ingrata, porém
necessária para o Estado do Rio e a população fluminense", destacou.
Unir Saúde e Iabas
O relatório aprovado pela comissão ressalta principalmente a
relação entre o governo Witzel com duas organizações sociais: Unir Saúde e
Iabas. O relatório pontua a confusão existente entre os reais proprietários das
duas empresas, uma vez que as investigações realizadas pelo Ministério Público
e pela Polícia Federal, nas Operações Placebo e Favorito, afirmam que ambas
seriam na verdade controladas pelo empresário Mário Peixoto. O relatório também
cita que investigações dos órgãos federais e a denúncia protocolada na Alerj
apontam fortes indícios de recebimento de vantagens indevidas por Witzel
através do pagamento de honorários à sua esposa, Helena Alves Brandão Witzel.
Nesse sentido, as investigações apontam que a primeira dama teria sido
contratada por cerca de meio milhão de reais pela DPAD Serviços Diagnósticos
LTDA, empresa que seria controlada, segundo as investigações, por operadores
ligados à Mário Peixoto.
Especificamente sobre a Unir Saúde, o relatório ressalta a
controversa requalificação da organização social, que havia sido desqualificada
por resolução conjunta das Secretarias de Estado de Saúde e da Casa Civil, em
outubro de 2019. As pastas desqualificaram a organização por supostas
ilegalidades após o término de processo administrativo, no qual foi garantido o
direito à ampla defesa e ao contraditório, o que gerou a rescisão dos contratos
de gestão vigentes e na reversão dos bens e dos valores entregues, tudo sem
qualquer direito à indenização por parte da organização punida.
No entanto, Witzel requalificou a Unir Saúde no dia 23 de
março deste ano. Segundo o relatório “o denunciado, sem fundamento legal
idôneo, utilizando do poder discricionário de conveniência e oportunidade, deu
provimento ao recurso administrativo interposto pelo Instituto Unir Saúde,
revogando sua desqualificação, restituindo ao instituto todos os direitos e
obrigações contratuais anteriores à sua desqualificação, bem como possibilitando
a assinatura de novos contratos com o Estado do Rio de Janeiro”.
No relatório constam diversos documentos que levaram a
Subsecretaria de Controle Interno e Compliance, da Secretaria de Saúde, a pedir
a desqualificação da Unir Saúde, entre eles a existência de 19 processos
punitivos abertos em face da organização social com temas variados, tais como
déficit de profissionais, problemas na estrutura utilizada, problemas de
transparência das despesas, ausência de atendimento a desempenho mensal mínimo e
o não recolhimento de impostos. O relatório aponta ainda que as informações
obtidas junto ao Portal da Transparência do Governo do Estado indicam ter
havido pagamentos, em período no qual a Unir Saúde estava desabilitada, da
ordem de R$ 26,9 milhões, o que, segundo o relatório, “indica a existência de
fortes indícios de dano ao erário, uma vez que sequer se buscou proteger o
Estado contra o direcionamento de dinheiro público por pagamentos de serviços
que não vinham sendo prestados e que, portanto, geraram as mais graves punições
à contratada”.
Já com relação ao Instituto Iabas, o relatório levanta a
questão de irregularidades sobre a construção dos hospitais de campanha para o
combate da pandemia de coronavírus. O documento levantou as provas do
Ministério Público Federal de suposta existência de orçamentos fraudados para
serviços de montagem e desmontagem de tendas, instalação de caixas d'água,
geradores de energia e piso para a formação da estrutura dos hospitais de
campanha. Segundo o MPF, Witzel teria o comando da estrutura que deu suporte às
fraudes. O documento afirma que o Instituto Iabas deveria construir mais de
1.400 leitos em hospitais de campanha e que, somente após fatos repercutidos na
imprensa, Witzel decretou a intervenção nos hospitais sob gestão do Iabas.
Consta no relatório que “mesmo tendo havido o descumprimento na execução do
contrato, amplamente veiculada, e que culminou com a mencionada intervenção,
foram apurados pagamentos realizados pelo Governo do Estado ao Instituto Iabas
da ordem de R$ 256,5 milhões”.
Defesa de Witzel
Os advogados de Witzel enviaram a defesa com uma petição de
40 páginas e mais de 400 folhas de documentos anexos no dia 02 de setembro. Os
advogados afirmam que as denúncias seriam “especulativas, baseadas em matérias
jornalísticas espetaculosas". Os advogados também criticam o inquérito
aberto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra Witzel, decorrente das
investigações dos órgãos federais, que levaram inclusive ao afastamento de
Witzel pelo STJ no último dia 28 de agosto, após a deflagração da Operação Tris
in Idem. Desde então, Cláudio Castro, então vice de Witzel, está atuando como
governador interino. Sobre a requalificação da Unir Saúde, a defesa afirma que
o objetivo foi a não paralisação de 10 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
Já sobre Helena Witzel, os advogados afirmam haver criminalização da advocacia
por parte da acusação.
No entanto, os argumentos de defesa não convenceram o
relator do processo de impeachment e nem os deputados da comissão da Alerj.
Rodrigo Bacellar afirmou, em seu relatório, que ao abrir mão de mecanismos de
controle postos à disposição da administração para dar provimento a recurso
contrário a todas as informações técnicas existentes, Witzel agiu dolosamente
contra os interesses públicos e em benefício de interesses privados, o que,
para o deputado, demonstra a justa causa para o prosseguimento do processo de
impeachment. O parlamentar também indeferiu, em seu relatório, a produção de
novas provas solicitadas pela defesa e ressaltou que a colheita de novas
evidências deve ser feita na próxima etapa processual – no caso, a comissão
mista a ser estabelecida pelo TJRJ.
Bacellar também é claro em seu relatório ao afirmar que o
documento não trata do afastamento de Witzel, mas sim do prosseguimento da
denúncia de crime de responsabilidade. Atualmente, Witzel está afastado
cautelarmente do cargo por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Caso
a Alerj aprove o parecer da comissão e após formação do tribunal misto de
julgamento, Witzel ficaria duplamente afastado - pelo inquérito que responde no
STJ e pelo processo de impeachment.
Leia a íntegra do relatório aprovado pela comissão aqui.
Trâmites do processo
A abertura do procedimento para apuração de crime de
responsabilidade do governador Wilson Witzel ocorreu durante sessão plenária no
dia 10 de junho, com a aprovação unânime dos deputados. Na prática, a abertura
do processo poderia ser uma decisão exclusiva do presidente da Casa, deputado
André Ceciliano (PT), que preferiu consultar seus pares. Após a abertura, foi
instalada no dia 18 de junho a comissão para analisar o pedido de impeachment e
a denúncia protocolada pelos deputados Luiz Paulo e Lucinha. O grupo, composto
por 25 deputados, de todos os partidos com representação na Casa, foi validado
por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes
no dia 28 de agosto, após o rito do impeachment ter sido suspenso pelo
presidente do STF, Dias Toffoli, no dia 27 de julho, que atendeu ao recurso da
defesa questionando a formação da comissão especial.
O trâmite segue os ritos da Lei Federal 1.079/50, que
regulamenta o julgamento de crimes de responsabilidade, e a interpretação do
próprio STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 378,
que orientou o rito de impeachment da presidente Dilma Roussef, em 2016.
Próximos passos do processo de impeachment
1- O resultado do parecer da comissão será publicado no
Diário Oficial do Legislativo nesta sexta-feira (18/09);
2- A partir de segunda-feira (21/09) começa a contar prazo
de 48h para o parecer ser inserido na pauta do Plenário da Alerj;
3- Contadas as 48h, o parecer já poderá ser votado na
próxima quarta-feira (23/09);
4- A votação em plenário pode levar mais de um dia. Os
deputados, no limite máximo de cinco por partido, podem discutir o parecer pelo
prazo máximo de 1 hora. Sendo os questionamentos respondidos pelo relator.
Encerrada a discussão será aberta a votação nominal;
5 - Para o prosseguimento do impeachment é necessária a
aprovação de dois terços dos parlamentares, ou seja, 47 deputados. Após a
votação em Plenário, o resultado é publicado no Diário Oficial do Legislativo;
6 - Se o resultado for pelo prosseguimento de impeachment do
governador, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ) é comunicado para dar
início à formação do tribunal misto;
7 - Esse tribunal será formado por cinco deputados - eleitos
pela Alerj - e cinco desembargadores - eleitos por sorteio com critérios
definidos pelo TJRJ;
8- A partir da formação do tribunal misto começa uma nova
etapa onde o governador é afastado por até 180 dias enquanto o tribunal analisa
a questão. O presidente do TJRJ terá voto de minerva caso haja empate sobre o
impeachment no tribunal misto.
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