segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Soffiati escreve artigo sobre avanço do mar em Manguinhos


Erosão na Praia de Manguinhos

O Blog publica abaixo o artigo “Manguinhos” do professor e ambientalista Arthur Soffiati, em que aborda a erosão do litoral e o avanço do mar em alguns pontos entre a Foz do Rio Itapemirim, no Espírito Santo e a do Rio Macaé no Estado do Rio de Janeiro. Soffiati escreveu esse artigo após um recente avanço do mar na Praia de Manguinhos. O local é estudado pelo professor desde a década de 80.

Sobre o avanço do mar em Manguinhos, Soffiati lembra que as casas foram construídas sem que respeitasse o limite de 300 metros a contar da maré alta. Ele não acredita que intervenções costeiras tenham provocado o fenômeno.

Entretanto, outro caso de avanço do mar recente, ocorrido na Praia do Açu, segundo Soffiati, tem como causa determinante o Complexo Portuário do Açu. O ambientalista analisa também o assoreamento da Foz do Rio Itapemirim, em Marataízes, atribuindo o problema ao espigão de pedra construído pelo Poder Público. Sobre o avanço do Mar em Atafona, o ambientalista aponta como fator a perda de vazão do Rio Paraíba, o desmatamento da bacia como um todo e as barragens construídas no rio principal e nos rios da bacia.

Como instrumento democrático do jornalismo responsável, o Blog se coloca à disposição para ouvir um contraponto das partes citadas no texto.

Boa leitura!

Manguinhos
Arthur Soffiati

Morando em Campos desde 1970, só conheci a Praia de Manguinhos no início da década de 1980. Desejávamos comprar uma casa numa praia calma do Norte Fluminense. Indicaram-nos Manguinhos, que, à época, fazia parte do Município de São João da Barra. Ao chegarmos ao local, minha atenção foi voltada para o pequeno centro e pela única rua paralela à praia, com casas de um lado e de outro.

A partir de 1996, a praia entrou profundamente nos meus estudos, pois eu redigia minha tese de doutorado sobre os manguezais da região que se estende do Rio Itapemirim, no Espírito Santo, ao Rio Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, que passei a denominar Ecorregião de São Tomé por coincidiram seus limites com a Capitania de São Tomé, doada a Pero de Góis, e por sua grande unidade ecológica.

Em minhas longas caminhadas pela costa, topei com uma córrego na ponta norte de Manguinhos, já muito adulterado, com alguns pés de mangue branco bastante anômalos em relação ao padrão normal. Em vez de crescerem em zig-zag, os galhos se desenvolvem em forma de touceira. A localidade se cresceu acima da ponta norte da grande restinga formada pelo mar e pelo Rio Paraíba do Sul. Manguinhos situa-se em terreno de tabuleiro, uma formação antiga estimada em 60 milhões de anos, constituída por material transportado da zona serrana. Sua configuração é ondulada e, a partir de Manguinhos, formam-se falésias no tabuleiro, verdadeiros paredões de argila e concreções ferruginosas que se estendem até o Estado do Amapá.

No trecho costeiro de Manguinhos até o Rio Itapemirim, o mar avançou sobre o tabuleiro, formando antigas praias com o material geológico mais duro numa costa desprovida de pedras. E na sua extremidade setentrional, desemboca o córrego que aporta água doce que, em mistura com a água salgada do mar, forma água salobra apropriada para o desenvolvimento de um manguezal, embora muito restrito. O nome do lugar deve ser atribuído a ele.

Esse córrego tem sua nascente no próprio tabuleiro e conta apenas com um afluente. Talvez contasse com um segundo, que, pouco a pouco, foi separado do curso d'água principal. Ele descreve um acentuado meandro antes de chegar ao mar. Tanto a agropecuárias quanto interesses imobiliários barraram o sistema hídrico, principalmente para formar uma lago para recreação. Sobre a foz, havia uma ponte com acesso subdimensionado para água doce e a água salgada, dificultando o desenvolvimento do manguezal.

Manguinhos foi praia de desembarque de escravos trazidos da África depois de proibido o tráfico pelas Leis Euzébio de Queiroz (1850) e Nabuco de Araújo (1854). O principal traficante era André Gonçalves da Graça, que morava em São João da Barra, tinha casa em Gargaú e transportava os escravos para a Fazenda São Pedro, hoje integrante da Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba. Os que morriam eram enterrados na Praia de Manguinhos. Recentemente, o movimento do mar desenterrou um verdadeiro cemitério de escravos.

Por duas vezes bem distintas, presenciei o avanço do mar e a erosão da praia. Na primeira, eu estava na companhia do Professor e limnólogo Francisco de Assis Esteves, da UFRJ. Levantou-se a possibilidade da contribuição do Córrego de Manguinhos no processo erosivo, mas logo descartada pela ínfima vazão dele. Recebo agora fotos de Ana Maria Siqueira, residente em São Francisco de Itabapoana, registrando um novo avanço do mar e um processo erosivo mais intenso que o anterior.

Qualquer solução para processos erosivos periódicos e permanentes, bem como grandes empreendimentos, na costa que se estende do Rio Itapemirim ao Rio Macaé, deve ser muito pensada porque esta costa não contém formações pedregosas, como acima e abaixo dos rios mencionados. Trata-se de uma costa nova, baixa, lisa e frágil. Procurem pedras e baías nelas e não encontrarão. Essa costa é imprópria para a construção de grandes obras. Onde elas são efetuadas, ocorrem problemas. Nessa costa, além de Manguinhos, registram-se quatro pontos de erosão. Do norte para o sul, são os seguintes.

1- Marataízes, no Espírito Santo: tudo indica que a erosão, ali, foi provocada por um pier (espigão de pedra) construído na margem direita da foz do Rio Itapemirim para estabilizar o canal do rio e permitir a entrada e saída de embarcações. O resultado parece ter sido desastroso por não ter sido a obra precedida de estudos prévios de impacto ambiental. O espigão passou a reter areia e a assorear a foz do rio. Por outro lado, a areia que se depositava na praia do centro do Marataízes, não chegando mais a ela, passou a sofrer erosão do mar. A solução do problema foi muito cara para os cofres municipais: a construção de uma praia com pedras amarradas por uma rede de aço e areia lançada sobre ela.

2- Delta do Rio Paraíba do Sul: especialistas, como Dieter Müehe, Enise Valentini e Cláudio Neves atribuem a erosão do delta a perda de vazão do rio e a sua incapacidade de enfrentar a energia do mar. A perda de vazão seria resultado do desmatamento da bacia como um todo e das barragens construídas no rio principal e nos rios da bacia.

3- Açu: Parece não haver dúvida de que a erosão na praia do Açu e no Cabo de São Tomé se deve ao Complexo Industrial e Portuário em construção na região. Os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) do estaleiro do Açu, um dos empreendimentos do complexo, previu processos erosivos sem precisar o local. Construídos os dois espigões do estaleiro, a praia do Açu e o Cabo de São Tomé começam a sofrer erosão do mar. A Prumo, que comprou grande parte do complexo, contratou o especialista em dinâmica costeira Paulo Cesar C. Rosman, que garantiu não estar a erosão relacionada com o Complexo do Açu. No entanto, os pesquisadores Marcos Antonio Pedlowski, da UEF, e Eduardo Bulhões, da UFF/Campos, asseguram essa relação.

4- Barra do Furado: não há dúvida de que o prolongamento do Canal da Flecha mar adentro por dois píeres construídos nos anos de 1980 pelo Departamento de Obras e Saneamento retém sedimentos arenosos do lado de Quissamã, engrossando a praia e erode a Praia de Boa Vista, do lado de Campos.

A erosão da Praia de Manguinhos não pode ser atribuída a nenhuma intervenção costeira, pois se situa distante de dois pontos de acentuada erosão: Marataízes e o Delta do Paraíba do Sul. Só por conjecturas, podemos explicá-la. Lembremos que a praia era maior em torno de dez mil anos antes do presente e que o avanço (transgressão) progressivo do mar estreitou a faixa de areia.

Quando Manguinhos foi colonizada, a rua paralela à costa foi construída de ambos os lados. A legislação vigente determina que se deve deixar livre uma faixa de 300 metros a contar da maré alta. Na época, não existia tal obrigatoriedade, dificilmente respeitada nos dias de hoje, mas já havia a exigência de se construir apenas de um lado da rua. Búzios sofreu esse problema, com casas bloqueando o acesso à praia. Em caso de ressaca, as casas próximas do mar podem ser danificadas. É o que está acontecendo em Manguinhos.

Eventos de erosão podem se agravar com a instalação do anunciado Porto de Canaã, ao norte de Manguinhos, pois intervenções no mar estão projetadas. A maior delas se assemelha a uma colher voltada para o sul, que pode reter areia em direção a Manguinhos, assim como o Terminal Portuário (TEPOR) que se pretende instalar em Macaé, no mesmo trecho de costa que examinamos aqui.
               
Por fim, fica a proposta de criação de Área de Proteção Ambiental (APA) de Manguinhos, tipo de Unidade de Conservação que mais se ajusta à praia. Ela protegeria o próprio Córrego de Manguinhos, seu afluente, as manchas de vegetação nativa, o manguezal e o cemitério indígena.

Erosão na Praia de Manguinhos
Córrego de Manguinhos em cheia no passado, em que a ponte foi arrastada. (Fotos: Arthur Soffiati)

2 comentários:

Olhos de Águia disse...

Excelente reportagem, parabéns.

Arthur Soffiati disse...

MUITO OBRIGADO PELA DIVULGAÇÃO.
ARTHUR SOFFIATI